Odontologia - 11.04.2025
Odontopediatria: cuidado que começa antes do primeiro dente
Especialidade lida com a saúde bucal desde a vida intrauterina e acompanha o desenvolvimento da criança com acolhimento, escuta e prevenção

Mais do que tratar dentes de crianças, a Odontopediatria cuida de pessoas em formação. O acompanhamento pode — e deve — começar ainda durante a gestação, quando orientações à gestante já impactam diretamente a saúde bucal do bebê. Da atenção ao aleitamento até o manejo de medos e comportamentos no consultório, o papel do odontopediatra é construir vínculos duradouros com a criança e sua família. Uma atuação que exige preparo técnico, sensibilidade e capacidade de escuta.
No Dia do Odontopediatra, celebrado em 11 de abril, essa especialidade ganha destaque não só por sua importância clínica, mas pelo compromisso com a prevenção, a educação e a criação de experiências positivas que podem marcar toda a vida.
Uma formação que exige mais do que técnica
A atuação do odontopediatra se apoia em um conjunto de competências que vão além da clínica. Para a diretora do Departamento de Odontopediatria do Conselho Científico (COCI) da APCD, Dra. Márcia Moreira, que é professora de pós-graduação em Odontopediatria na FAOA, “nos cursos de graduação em Odontologia, a disciplina de Odontopediatria, ou a disciplina de Clínica Infantil, acontece nos últimos semestres. Isto se deve à necessidade de competências multidisciplinares para o exercício da Odontopediatria, que realiza clínica geral, para uma faixa etária específica! Os primeiros 20 anos de vida do ser humano estão dentro das competências da especialidade, e sobretudo as competências de promoção de saúde, educação primária em saúde e diagnóstico dos desvios de crescimento e desenvolvimento craniofacial. As intersecções com a Ortodontia e, sobretudo, com a Ortopedia, acontecem desde a fase de dentição decídua.”
A presidente da Câmara Técnica de Odontopediatria do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP), Dra. Patrícia Valéria Cunha Georgevich, concorda que essa abordagem ampla, que une conhecimento técnico e atenção ao desenvolvimento, é o que se espera do perfil profissional do especialista. “A Odontopediatria é única dentro da Odontologia porque ela exige não apenas o conhecimento e o domínio das técnicas, mas também as habilidades em psicologia infantil, que estuda o desenvolvimento das crianças e analisa como elas aprendem e se relacionam com o meio. Para isso, considera habilidades cognitivas, sociais e emocionais. Incluem habilidades psicopedagógicas da comunicação, escuta, fala, criatividade, empatia, conhecimento tecnológico, pensamento crítico, visão estratégica e liderança.”
Ela acrescenta que “o especialista odontopediatra precisa ser receptivo e criar um ambiente de atendimento acolhedor e seguro para o paciente, pais e acompanhantes responsáveis, conectar uma comunicação de linguagem e entendimento, utilizar técnicas lúdicas de acordo com a fase do desenvolvimento cognitivo da criança onde o processo de aquisição de conhecimentos, memorização e aperfeiçoamento das habilidades aconteça de forma contínua, desde a primeira infância até a adolescência.”
O acolhimento como base do cuidado
A escuta, o afeto e o ambiente acolhedor são pilares da prática cotidiana na Odontopediatria. Para a professora do curso de pós-graduação em Odontopediatria da FAOA, Dra. Maria Naira Friggi, “a odontopediatria sempre se destacou por uma abordagem humanizada, visando vencer o medo e conduzir o tratamento com confiança, de forma que tanto o paciente quanto seus acompanhantes se sintam acolhidos. O comportamento materno, em particular, é uma ferramenta valiosa nesse processo.”
Ela lembra que a prevenção começa antes mesmo do nascimento: “Atualmente, sabe-se que os microrganismos envolvidos na cárie dentária estão presentes na cavidade bucal, mesmo na ausência da doença, uma vez que outros fatores, como o consumo de sacarose, desempenham um papel fundamental em sua ocorrência. A família tem um papel crucial na educação e prevenção da saúde bucal da criança. Por isso, é indispensável iniciar essa atuação preventiva ainda no período gestacional. Os cuidados com a saúde bucal devem ser adotados por toda a família, começando pela limpeza dos dentes com creme dental fluoretado e pelo controle do consumo de alimentos açucarados.”
Esse cuidado com a família, inclusive, é decisivo para o sucesso do atendimento no consultório. “Quando os pais se mostram calmos, positivos e bem informados sobre o processo, transmitem segurança à criança, evitando que ela fique mais ansiosa ou com medo. Um bom preparo ajuda a criar expectativas realistas, o que diminui a chance de resistência ou de comportamentos indesejados, como choros ou agitação. Assim, o acolhimento da criança, com uma abordagem gentil e tranquila, facilita o sucesso do tratamento, permitindo que o profissional execute os procedimentos com maior eficiência e a criança tenha uma experiência mais positiva no consultório.”
Criar vínculo é transformar o medo em confiança
Transformar medo em confiança também é parte fundamental da atuação do odontopediatra. Dra. Patrícia Valéria também chama atenção para o impacto desta emoção e da responsabilidade do odontopediatra em enfrentá-lo. “O papel do odontopediatra é fundamental na formação de hábitos saudáveis e na superação do medo do atendimento odontológico, que é o ‘medo do dentista’. Entender que sentir medo é natural e está ligado de forma inseparável a nós e não é sinal de fraqueza. Superar o medo do atendimento odontológico através de explicações do que acontece durante todo o procedimento, desde o primeiro momento em que a criança adentra ao nosso consultório, e buscar expressar linguagem acessível ao paciente.”
Ela explica que “é fundamental que os pais entendam toda a situação, pois eles são os indutores inconscientes desses medos apresentados em nossos pacientes, e isso ocorre devido a relatos não positivos de experiências vividas pelos pais em outras situações que não a mesma de seus filhos.”
No dia a dia, o cuidado com o ambiente, a comunicação e os estímulos sensoriais também fazem diferença. “A linguagem acessível na Odontopediatria é uma comunicação lúdica ou abordagem lúdica que utiliza brinquedos, personagens infantis que a criança já está familiarizada, cores alegres e inspiradoras para tornar o ambiente amigável. Mostrar de forma lúdica a importância de cuidar dos dentes, construindo métodos educativos para a saúde bucal da criança, como por exemplo olhar no espelho durante a escovação. A apresentação dos componentes do consultório, o uso de jalecos coloridos, músicas, sinais, imagens — tudo isso cria uma experiência de confiança e segurança.”
Atenção às necessidades especiais e ao cuidado desde o início da vida
A Odontopediatria também é essencial no atendimento a crianças com condições especiais de saúde, como reforça a odontopediatra e diretora da FAOA, Dra. Sofia Takeda Uemura. “A Odontopediatria ainda carece do entendimento pela população de que o atendimento odontológico inicia antes do nascimento e é primordial que seja mantido com frequência a partir do nascimento. O atendimento odontológico como rotina de cuidados é essencial para que as crianças com necessidades especiais possam receber o melhor que a Odontologia pode oferecer, de maneira que tenham saúde bucal e, consequentemente, diminuídas as chances de agravamentos de saúde geral.”
Ela lembra que muitos bebês já nascem com diagnóstico que exige atenção odontológica especializada. "Há bebês com diagnóstico logo ao nascimento que necessitam de cuidados especiais em Odontologia, como, por exemplo, os bebês com síndrome de Down. Já no caso de bebês com transtorno do espectro autista (TEA), embora o diagnóstico costume ocorrer mais tarde, introduzir os cuidados odontológicos precocemente fará muita diferença na forma como enfrentarão os atendimentos e manterão sua saúde bucal. A rotina odontológica precoce faz a diferença.”
Outro ponto importante, segundo Dra Sofia, é a preparação do odontopediatra para atuar com recursos como a sedação ou anestesia geral, quando necessário. “A Odontopediatria, além da formação de vínculo e do manejo comportamental, também está preparada para o atendimento odontológico sob sedação ou anestesia geral quando necessário — seja por condições especiais de saúde geral, de complexidade de procedimento odontológico ou até mesmo psicológicas. A sedação consciente pode ser uma ferramenta de formação de vínculo, pois proporcionará relaxamento e tranquilização para o atendimento, com a criança consciente e responsiva”.
Inovar sem perder o essencial
A Odontopediatria também se reinventa. Dra. Sandra Kalil Bussadori, presidente da Associação Brasileira de Odontopediatria (ABOPED) Nacional, destaca que “a Odontopediatria tem evoluído muito nos últimos anos, incorporando tecnologias que otimizam o diagnóstico, a prevenção e os tratamentos de forma mais confortável e menos invasiva para as crianças. Ferramentas como: radiografia digital, escaner, laser de alta e baixa potência, equipamento Airflow entre outros reforçam as técnicas minimamente invasivas e o fortalecimento da abordagem interdisciplinar.”
Mas ela ressalta que “apesar das inovações, o foco continua sendo o acolhimento e a construção de uma relação de confiança com a criança e sua família. A inovação, nesse sentido, é bem-vinda quando está aliada ao cuidado humanizado.”
E deixa um recado aos colegas: “Que nunca deixem de lado a paixão pelo que fazem. Cuidar de crianças é um privilégio e uma responsabilidade imensa. Que possamos continuar sendo agentes de promoção de saúde, respeitando as individualidades e valorizando o afeto como parte do cuidado. E que, mesmo diante dos desafios, sigamos firmes no compromisso com uma Odontopediatria ética, atualizada e, acima de tudo, humana.”
Um convite à escuta e à transformação
Para a Dra. Márcia Moreira, a Odontopediatria começa muito antes da criança chegar ao consultório — e deve seguir por décadas. “O primeiro contato com a especialidade da Odontopediatria deveria acontecer no primeiro ano de vida! Infelizmente, a maioria das famílias resiste a este conceito. A criança que recebe atendimento precoce e permanente, com um clínico da Odontopediatria, cresce e se desenvolve com a segurança de uma manutenção de promoção de saúde bucal! Nada é mais positivo! Não há choro com a familiaridade. Em minha experiência clínica, a intimidade deste relacionamento nos conduz muitas vezes em uma amizade profissional com a família. Falo sempre para minhas alunas que, quando nos trazem um bebê para nos consultar, teremos mais uma família sob nossos cuidados para os próximos 20 anos!”
E para quem está iniciando na especialidade, a Dra. Patrícia resume: “A beleza da Odontopediatria e o encantamento dessa especialidade está na conexão genuína com cada pequeno paciente, cada criança, oferecendo a oportunidade de transformar o consultório odontológico em um espaço de prevenção, educação, aprendizado e conforto no impacto positivo que se estende para cada família.”
Por Swellyn França