Pacientes em foco - A saúde começa pela boca: o papel da Odontologia na prevenção e no cuidado integral

Pacientes em foco - 07.04.2025

A saúde começa pela boca: o papel da Odontologia na prevenção e no cuidado integral

Especialistas alertam que a cavidade bucal é a primeira barreira de defesa do organismo e que cuidar da saúde oral impacta diretamente na prevenção de doenças sistêmicas

A saúde bucal representa uma fronteira crítica entre o corpo humano e o ambiente externo, sendo determinante para o bem-estar físico, mental e sistêmico
A saúde bucal representa uma fronteira crítica entre o corpo humano e o ambiente externo, sendo determinante para o bem-estar físico, mental e sistêmico

Em 2025, a campanha do Dia Mundial da Saúde (07/04), promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), convida o mundo a refletir sobre a importância de “Começos Saudáveis, Futuros Esperançosos”. O foco está na saúde desde o início da vida — da gestação à infância — e na construção de trajetórias mais saudáveis ao longo dos anos. E nesse contexto, a saúde bucal surge como parte indissociável da saúde integral, desde os primeiros momentos da vida até a longevidade. Isto porque, mais do que estética, a saúde bucal representa uma fronteira crítica entre o corpo humano e o ambiente externo, sendo determinante para o bem-estar físico, mental e sistêmico.

Para o médico no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), Dr. Chin An Lin com atuação em Pneumologia, Medicina Interna, Acupuntura e Medicina Integrativa, “a cavidade oral é a porta de entrada do trato digestivo, por meio do qual, temos uma interação com o meio externo. A rigor, a única barreira dentro do trato digestivo que separa o meio externo e o meio interno do nosso corpo é a camada mucosa (que vai da cavidade bucal até o ânus) que reveste todo o trato digestivo. O trato digestivo é o local onde retiramos os nutrientes de alimentos que são essenciais para o crescimento, manutenção e reparação do nosso organismo. Dessa forma, a mucosa que reveste o trato digestivo é ao mesmo tempo, um importante meio para permitir a entrada de nutrientes (ela precisa ser permeável, isto é, permitir a passagem de nutrientes) e necessita ser uma barreira que impeça a entrada de elementos nocivos à nossa saúde, como microrganismos e outros elementos inanimados que possam provocar intoxicação e danos à nossa saúde.

Assim, a saúde e a integridade dessa camada mucosa, começando pela boca, é de suma importância. Da saúde bucal depende a nossa saúde integral”, alerta.

Ainda segundo o médico, a cavidade bucal é habitada por uma microbiota natural — um conjunto de microrganismos que mantém o equilíbrio entre bactérias que podem causar doenças e aquelas que atuam na proteção do corpo. “Como parte do meio externo ao nosso corpo, a cavidade bucal mantém um ambiente habitado por microrganismos, que chamamos de microbiota. A microbiota mantém o equilíbrio entre microrganismos que podem provocar doença no nosso organismo e os microrganismos que nos defendem.

O equilíbrio é atingido pela competição entre esses microrganismos e a manutenção da nossa saúde bucal. Quando esse equilíbrio é rompido, podemos apresentar alguns acometimentos, tais como: periodontite, inflamação e outras infecções da mucosa oral que têm sido associadas a condições sistêmicas como doenças cardiovasculares, diabetes, obesidade e até artrite reumatoide.”

Ele também chama atenção para o chamado eixo oral-intestino, que mostra como bactérias da boca podem afetar a saúde intestinal e gerar consequências graves:

“O eixo oral-intestino é uma via pela qual as bactérias orais podem influenciar a saúde sistêmica, pois as bactérias orais podem se translocar para o intestino, afetando a microbiota intestinal e o metabolismo, e potencialmente contribuindo para condições como doença inflamatória intestinal e câncer colorretal.”

E os impactos da má saúde bucal não são apenas potenciais — podem ser gravíssimos na prática clínica. “Já observei, a título de ilustração, casos em que uma infecção na cavidade oral (como dentes em estado precário, com infecção bacteriana), evoluiu para uma endocardite bacteriana, uma condição extremamente grave que pode levar o paciente à morte.”

Da mesma forma que o Dr Chin, a Cirurgiã-Dentista, Odontopediatra e uma das coordenadoras do Projeto Saúde Coletiva no CIOSP, Dra. Helenice Biancalana reforça o papel essencial da boca na saúde e na sobrevivência humana. “A boca ou a cavidade bucal é um órgão essencial para a sobrevivência humana, assim como os órgãos vitais, cérebro, coração, pulmões, rins e fígado. Manter a saúde física geral em equilíbrio, com a boa função de todos os órgãos, é fundamental para o bem-estar, qualidade de vida, autoestima, saúde mental e uma longevidade mais saudável. Manter a saúde bucal é indispensável e necessário para que todo o sistema orgânico tenha suas funções trabalhando em equilíbrio de forma eficiente e saudável.”

Ela destaca que doenças bucais como cárie e inflamações bucais não são problemas isolados, mas ameaças à saúde sistêmica. “Doenças dentárias e gengivais, como a lesão de cárie, processos inflamatórios e infecciosos são carregados de bactérias que descompensam a saúde bucal e consequentemente a saúde física geral, que podem levar a cardiopatias severas, complicações cirúrgicas, e em casos mais graves chegando a óbito.”

Para ambos os profissionais, a prevenção é o caminho mais eficaz — e precisa começar cedo. O Dr. Chin ressalta: “Cuidar da saúde bucal é uma questão de suma importância.
 De início, sem uma saúde bucal boa, não conseguimos ter uma boa mastigação, impedindo um bom início do processo digestivo, com a mistura do alimento triturado e as enzimas produzidas por nós. Ademais, a experiência gustativa que leva a uma boa sensação no paladar, enriquecendo a experiência gastronômica, ocorre na cavidade bucal, sendo uma etapa importantíssima para a nossa vida e que gera bem-estar.” E continua: “Cuidando bem da saúde bucal, temos garantias de que a saúde sistêmica pode ser resguardada. Não nos esqueçamos de que a barreira que nos separa da invasão de agentes nocivos à nossa saúde depende dessa barreira de defesa mucosa, parte componente da nossa cavidade bucal. Escovação frequente e correta, remoção dos restos alimentares e restos de medicamentos que usamos (como medicamentos inalatórios para asma, por exemplo) e visita regular ao seu dentista são etapas fundamentais para uma boa saúde bucal. A manutenção da saúde bucal impacta de forma indelével para a manutenção da saúde integral do nosso organismo.”

Prevenção em todas as fases da vida

"A melhor estratégia é sempre a prevenção", defende a Dra. Helenice. Para ela, “A prevenção das doenças para a promoção da saúde bucal é a melhor estratégia para a população ter menos chance de desenvolver doenças sistêmicas por complicações bacterianas, por mastigação deficiente, por hábitos alimentares frequentes ricos em sacarose, ácidos e álcool, além dos desequilíbrios emocionais que podem comprometer a qualidade da estrutura dentária.” Segundo ela, a prevenção deve ser orientada desde a gestação e considerar todas as fases da vida. “A prevenção efetiva para a saúde bucal exige a abordagem educativa e acompanhamento desde a gestante com atenção aos cuidados de higienização bucal, orientações sobre a importância da amamentação exclusiva até os seis meses de idade, introdução alimentar para o bebê sem a sacarose até os 24 meses, com envolvimento familiar e mudança de comportamento, para que a saúde bucal e a saúde geral sejam prioridades da família. Em cada faixa etária: na primeira infância, na idade escolar, na adolescência, no jovem adulto, no adulto, no idoso e no 80+, a prevenção é de primeiríssima importância, sempre em atenção às características, necessidades e comportamentos desses grupos tão especiais.”

A especialista destaca ainda o valor simbólico e afetivo da boca como parte da vida social. “Uma das recomendações, individual e familiar, é identificar a boca como parte importante para a sobrevivência diária, com todas as funções que ela oferece, desde a alimentação, passando pela comunicação, pelo prazer, chegando ao sorriso, que abre as portas para os relacionamentos profissionais e pessoais.”

Cuidados diários que fazem a diferença na saúde bucal e geral

“A família tem um papel fundamental na valorização da saúde bucal, especialmente como referência para os filhos”, afirma a Cirurgiã-Dentista, Dra Helenice. Ela destaca a importância de uma rotina de cuidados que envolva todos os membros do lar, com ênfase em uma alimentação equilibrada, controle racional do consumo de sacarose e higienização adequada após as principais refeições — café da manhã, almoço e jantar.

A escovação deve ser realizada com escova de cerdas macias e creme dental com flúor, respeitando a técnica indicada para cada faixa etária. A higienização da língua também é essencial, pois ela pode abrigar bactérias causadoras de mau hálito.

O uso do fio dental deve ser incentivado desde cedo. “Quando pequenos, os pais devem se responsabilizar pela higiene interproximal dos filhos. O ideal é que o fio dental seja usado diariamente, preferencialmente à noite, para garantir que os espaços entre os dentes estejam sempre limpos”, orienta.

Enxaguantes bucais com flúor podem ser utilizados para fortalecer o esmalte dentário e agir como antissépticos, mas seu uso — assim como o de qualquer produto de higiene oral — deve seguir orientação profissional. “Para as crianças, a pasta de dente deve ser específica para a faixa etária e utilizada sob a vigilância dos pais. Os demais produtos, como enxaguantes, são recomendados apenas a partir dos 12 anos”, explica.

Ela reforça: “É de extrema importância que o creme dental, o fio dental e o enxaguante bucal sejam prescritos pelo Cirurgião-Dentista clínico, Odontopediatra ou Periodontista. Use-os sempre de acordo com a orientação do seu profissional de confiança, especialmente se houver sensibilidade, risco aumentado de cárie ou outras condições específicas.”

Ao refletir sobre o Dia Mundial da Saúde, a Dra. Helenice conclui: “O Cirurgião-Dentista tem papel de alta relevância para a prevenção e promoção da saúde integral — bucal, geral e mental. A formação clínica do profissional o capacita para identificar alterações na cavidade bucal que muitas vezes refletem doenças sistêmicas ou podem comprometer a saúde como um todo. No exercício da Odontologia, atuamos com conhecimento técnico e sensibilidade humana — valorizando a prevenção e trabalhando com e para o ser humano.”

Por Swellyn França